De gravidez a doenças reumáticas, confira tecnologias aliadas à saúde
A tecnologia está no nosso dia a dia e em todas as partes: na forma como nos comunicamos, nos locomovemos e nos relacionamos uns com os outros. Com a saúde não poderia ser diferente. À parte todas as discussões sobre telemedicina, uma coisa é certa: com ela, o acesso à saúde torna-se mais fácil e democrático.
Embora reconheça que essa junção é inevitável, e que a “tecnologia nos ajuda muito hoje”, o médico Drauzio Varella defende a humanidade da medicina. “Medicina é uma profissão que a gente faz com a mão. Eu acredito nisso firmemente. Sem tocar, sem auscultar, sem examinar, você vai fazer uma coisa que pode ser um cuidado de saúde, mas não chama medicina”, disse.
João Aidar, especialista em UTI pela Associação Médica Brasileira, diz não ter dúvidas de que a telemedicina veio para ficar. “O que se questiona é se o primeiro contato pode ser feito por telemedicina. Não. Você precisa de um médico”, afirmou. “Mas depois que você faz a consulta, tem essa interação médico-paciente, o retorno fica mais fácil se você, provavelmente, fotografar o exame e depois de enviar para o médico ele vai dizer o que precisa fazer.”
Essas declarações foram dadas no final de fevereiro durante o evento de lançamento do projeto Acelera SAB, do Instituto SAB, que vai investir em aplicativos e startups na área da saúde. Na ocasião, Erik Cavalcanti, gestor na Vox Capital, destacou a importância da tecnologia para o acesso à saúde. “A tecnologia, as redes sociais, permite que alguém que esteja distante de um grande centro, que tem dificuldade de acesso a um profissional, tenha um mínimo de informação. Isso é super relevante”, disse.
Esse lado positivo da tecnologia se justifica por uma realidade apontada por Aidar. “O Brasil, hoje, tem dois médicos para cada mil habitantes e a Organização Mundial da Saúde preconiza três. E as maiores queixas dos pacientes que procuram o Sistema Único de Saúde (SUS) são duas: falta de médico e dificuldade para marcar consulta com um especialista”, elencou.
Cavalcanti trabalha com inovação e empreendedorismo há 19 anos e já participou do investimento e desenvolvimento de mais de 22 startups dos setores de saúde. Mesmo sendo dessa área, que prioriza o lucro, ele concorda que é preciso haver humanização e que a tecnologia em saúde precisa ter impacto social.
“Em saúde, o uso de tecnologia não pode ser replicado como em outras áreas, porque o serviço de saúde é principalmente humano. Do lado de investimento e inovação, fala-se muito em sistemas online. Em saúde, é importante que tenha o sistema ‘O2O’, online to offline. Se as soluções em tecnologia que existem na área de saúde não levarem em conta esse outro lado, talvez não seja sistêmico, não tenha a utilidade correta”, disse o gestor.
Gestação acompanhada por aplicativo
O evento em que se discutiu tecnologia em saúde contou com a presença de Gustavo Landsberg, médico de família e comunidade, fundador e CEO da startup Canguru. A plataforma destinada a gestantes conta com mais de 400 mil usuárias em todo o Brasil.
“Eu fico surpreso quando me deparo com esse número. A gente fez muito estudo para desenhar um aplicativo que atendesse às necessidades em um cenário obstétrico onde não faltam problemas. Estudamos bastante como poderíamos levar informação qualificada, ferramentas com que a gestante pudesse se empoderar e tomar as decisões sobre a própria saúde no diálogo com o profissional que cuida dela”, explica Landsberg sobre a criação do aplicativo.
A ferramenta traz informações como sintomas comuns em cada fase da gestação, o que fazer no pré-natal, como montar um plano de parto e o que fazer durante o trabalho de parto. Além disso, há um guia com diversas maternidades que indicam as taxas de cesáreas e partos normais realizados.
O CEO afirmou que as mulheres que utilizam o aplicativo são de todas as classes sociais, sendo que dois terços delas são atendidas pelo SUS. Ele contou que, por meio da plataforma, descobriu uma mulher que mora na divisa do Acre com o Peru e utiliza a ferramenta.
“Fiquei curioso e liguei para ela. Ela disse: ‘esse aplicativo tira mais minhas dúvidas do que meu médico. Eu só soube que estava em trabalho de parto por causa do aplicativo. Eu olhei como era a contração, fui seguindo as recomendações’. Ela foi para a maternidade na hora certa e teve parto normal”, relatou Landsberg.
Doença reumática e autonomia
Embora as doenças reumáticas prejudiquem as articulações, médicos indicam a prática de exercícios físicos como parte do tratamento. Por serem crônicas, se manter em movimento é essencial justamente para preservar a mobilidade da pessoa e fazer uma reabilitação constante.
Pensando nisso, a Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR) lançou recentemente o aplicativo para celular Repare. A ferramenta traz mais de 20 vídeos com exercícios de fisioterapia e alongamento para que pessoas com espondiloartrites consigam se exercitar corretamente. Mais do que isso, a tecnologia traz independência.
“O aplicativo tem a intenção de fornecer mais autonomia aos pacientes, bem como informar, educar e melhorar a linguagem com eles. A ferramenta auxilia na questão não medicamentosa, com o estímulo e orientações sobre quais exercícios são mais indicados para os pacientes com dor nas costas e nas articulações”, explica o desenvolvedor do app, Marcelo Pinheiro, coordenador da Comissão de Espondiloartrites da SBR.
O aplicativo ajuda também no tratamento medicamentoso, uma vez que a pessoa pode marcar os horários dos remédios para receber um lembrete. Há possibilidade ainda de registrar os sintomas diários. “Isso ajuda muito na consulta, especialmente em pacientes que se esquecem, e ficamos com um documento mais objetivo. Assim, o médico pode ter uma noção mais próxima da verdade se o tratamento está ou não funcionando e quais os ajustes que devem ser feitos”, pontua o especialista.
Diferente de outras doenças reumáticas, como a artrite reumatoide, as espondiloartrites são um conjunto de doenças inflamatórias que afetam tendões, ligamentos (tendinites e bursites) e articulações e comprometem a coluna vertebral (dor nas costas). “Além disso, estão associadas com envolvimento da pele (psoríase), olho (olho vermelho: uveíte) e intestino (colite, diarreia crônica)”, explica Pinheiro.
Além dos exercícios físicos, o tratamento medicamentoso inclui uso de anti-inflamatórios não hormonais comuns e agentes que modulam a inflamação crônica. Caso o paciente não responda adequadamente, pode-se usar remédios imunobiológicos, que irão bloquear de forma mais eficaz o processo inflamatório.
Fisioterapia à distância
Pensando em aprimorar o tratamento fisioterápico do filho, que nasceu com mielomeningocele – uma má formação congênita que afeta a medula espinhal -, o arquiteto Marcelo Pirk desenvolveu um jogo digital que pode ser controlado pelo movimento dos músculos. O dispositivo, chamado Mobile Biofeedback, venceu o 4º Prêmio Desafio Pfizer, de 2018, na categoria inovação.
“Nesse tratamento, com músculos muito internos a gente não vê retorno. Ele fazia exercícios e não tinha certeza se estava contraindo. Tenho uma empresa de desenvolvimento de software e achei componentes que conseguem captar esse sinal movimento e comecei a desenvolver o aparelho”, explica Pirk.
Ele testou o protótipo no filho, junto com a fisioterapeuta, mas “como é criança, não tem paciência para fazer esse tipo de exercício”. Assim, o arquiteto decidiu criar um jogo para celular em que uma nave espacial precisa ultrapassar obstáculos. A cada contração de músculo, o artefato é empurrado para cima. Os movimentos são captados por três eletrodos colocados no grupo muscular que será trabalhado.
Por meio de rede sem fio, os dados são enviados para o celular, que permite controlar o jogo e criar gráficos que sinalizam a força aplicada pelo músculo. “Os dados ficam armazenados e tem um histórico da evolução do paciente”, diz Pirk. O arquiteto ressalta que, embora o aparelho permita fazer fisioterapia em casa, é necessário consultar um especialista antes, porque os eletrodos têm posicionamento certo.
Após a premiação da Pfizer, Marcelo Pirk tem conversado com investidores e parceiros para a produção do aparelho em larga escala. “A ideia do produto é que seja feito de acordo com o paciente.” Além disso, é necessário interesse da parte médica para lidar com os processos de regulamentação.
Adesão ao tratamento da diabete
A adesão ao tratamento é fundamental em casos de doenças crônicas. Em pessoas com diabete, a adesão é, também, um dos principais obstáculos para obter um bom controle. A fim de facilitar esse processo, que costuma precisar de aplicações subcutâneas diárias, a Eli Lilly desenvolveu uma caneta aplicadora, descartável, que vem pronta para uso de um medicamento para diabete tipo 2.
Caneta aplicadora que já vem com medicamento para diabete tipo 2 facilita aplicação, que dura de cinco a dez segundos. Foto: Eli Lilly/Divulgação
O produto se faz necessário uma vez que cerca de 40% dos pacientes abandonam o tratamento nos primeiros dois anos. “Assim, facilitar a adesão ao tratamento, procurando oferecer medicamentos de posologia simples e adaptáveis à rotina, é fundamental”, diz a farmacêutica.
Com agulha de pequeno calibre e não visível, o desconforto da aplicação é reduzido. Além disso, o medicamento é injetado entre cinco e dez segundos por meio do acionamento de um botão. Descarta-se, assim, a perfuração da pele de forma manual. Outro facilitador da caneta é que ela permite confirmar a aplicação da dose, que é única e não tem necessidade de ajuste.
A caneta já vem com o medicamento, então não é possível comprar apenas o item e usá-lo com outros remédios. O composto, chamado dulaglutida, foi desenvolvido para ter ação prolongada, o que permite a aplicação apenas uma vez por semana, reduzindo a quantidade de injeções de 365 para 52 ao ano. Além de utilizada na aplicação desse medicamento, a tecnologia foi desenvolvida para compostos que tratam psoríase e artrite psorisíaca.